sábado, 21 de janeiro de 2012

Contos de Terror e/ou Humor Negro - O Último Vampiro

Esse “conto protesto” foi escrito pela primeira vez em 1996, quando a moda sobre vampiros eram os filmes, séries e jogos (principalmente de RPG) inspirados nos livros da Anne Rice.

Em dias de “Saga Prepúcio”, digo Crepúsculo, esse conto está mais atual do que nunca.

Em meio a uma atmosfera lúgubre, tisna e úmida, um grande esquife se abre quebrando uma inércia de centenas de anos. O Conde Dracul, ou apenas Drácula, desperta de seu torpor secular para reinar novamente sobre as criaturas da noite.

Sua majestade se mostra mais uma vez entre seus vis súditos. Uma onda cataclísmica de dor e ódio toma conta de seu ser e expande para todo o universo anunciando que o Filho das Trevas, o Príncipe das Lamúrias, aquele que zomba de Deus e cospe na bondade está de volta. Seu poder ilimitado, subordinado apenas pela sua mórbida e cruel vontade, se prepara para Principado das Trevas que estaria para recomeçar... Será mesmo?

O Conde Drácula observa seu calabouço que serviu de esconderijo e proteção por vários séculos. O Conde despertara depois de um revigorante sono de séculos para novamente exercer seu encargo. "Como será que o mundo está agora depois de todos esses anos?" Se perguntara com certa excitação. O Conde mal podia esperar para conhecer seu novo Reino.

Assim que a noite se firmou, o Conde se dirigiu até a sacada da antiga torre em que morava.
_O que será aquela luz no horizonte? Por um momento pensei que seria o Sol que estava a sair. Será um grande incêndio na cidade por detrás das montanhas? Tenho que ver com meus próprios olhos!

O Conde decidiu ir andando pela estrada para conhecer melhor seus novos domínios. Ao chegar na estrada, algo lhe chamou atenção. Uma espécie de manta negra cobria a estrada. O que seria aquilo? Haviam duas listras paralelas pintadas de amarelo no centro e outras brancas na borda. O chão parecia ser formado por pequenas pedras negras compactadas, era quente o tal pavimento. Ao se abaixar para melhor ver aquele estranho material, foi surpreendido por uma luz branca que passou ao seu lado em grande velocidade acompanhada de um barulho completamente estranho. A luz gritou:
_Ô seu palhaço! Quer morrer? Sai do meio da estrada! A luz que agora era composta por dois pontos vermelhos, sumiu ao longe.
_Será aquilo foi um demônio de luz? Ele me chamou de palhaço? Que audácia daquele elemental menor! Esbravejou o indignado Conde.

O Conde começou a andar pela borda da estrada e olhou para mais uma luz que vinha ao longe passando por ele como um raio. O Conde pensou ter visto um homem dentro da luz. O velho Drácula ficou confuso. Nunca vira algo assim. Mais outra luz vinha pela estrada, o Conde se portou no centro da estrada, estendeu os braços e gritou:
_Eu! O Príncipe das Trevas! Ordeno que pare!

A luz emitiu um som agudo desesperado tal qual um porco sendo esfaqueado e depois de alguns metros, já bem próximo do Conde, parou. Uma cabeça de um jovem humano apareceu no meio da luminosidade estranha e disse:
_Quolé coroa? Pirou? Que roupa estranha! Tá afim de uma carona? Sobe aí! Disse o rapaz enquanto abria a porta direita do veículo.
O Conde hesitou um pouco, não entendeu direito aquele estranho dialeto, mas se dirigiu até o carro e entrou.
_O que é isso? Uma carruagem sem cavalos? Perguntou o confuso Conde.
_Isso é um Kadetinho GLS 2.0, meu velho! O que andou cheirando coroa? Tá indo pra cidade?
_Sim! Para a cidade! Apontava peremptoriamente para as luzes detrás das montanhas quando foi surpreendido pelo solavanco do carro que arrancava com toda velocidade, cantando os pneus.
O veículo se dirigia pela estrada durante a noite enquanto cruzava com outros que vinham em sentido contrário. O Conde ainda não se acostumara com aquela situação, e ainda se contraía e fechava os olhos toda vez que uma luz se aproximava. O Conde olhou para o rapaz ao seu lado. Era um jovem meio esquisito (pelo menos para ele). Tinha a cabeça raspada; usava um colete de couro com várias insígnias e pedaços de metal e correntes; tinha um bracelete com pontas afiadas. Havia argola que balançava em seu nariz. Usava uma calça de couro com os mesmos tipos de penduricalhos do resto do corpo. O Conde imaginou que se tratasse de algum bárbaro vindo da bacia do Eufrates ou do baixo Nilo.

_E aí, velho? Você não está indo para uma daquelas festas de boiola não, né? Perguntou o rapaz.
_Não entendi sua pergunta meu jovem... Disse com polidez o Conde.
_Você sabe! Aquelas festas de vampiros... chupadores... Essa sua roupa, seu não hein? Disse o rapaz que exalava um bafo etílico.
_Vampiros?!? Você conhece alguma coisa sobre vampiros? Perguntou o Conde Drácula com assombro.
_Claro! Ta cheio de vampiros para todos os lados! Reuniões, festas, convenções...
O Conde não entendia direito aquilo que o rapaz lhe dizia com escárnio. Será possível isso que ele ouvira? Os vampiros vivem junto com os homens e são desprezados?
_O que é um boiola? Perguntou o Conde.
_Ô coroa! Onde você esteve nesses últimos séculos? Dormindo? Boiola é frutinha, bicha, gay, mulherzinha, NEY... Homem que gosta de homem!
_Você quer dizer... hã... Sodomitas? Pederastas? "Aqueles que vão contra a natureza"? Perguntou o Conde com medo de ouvir a resposta.
_Sodomita? Hã... Sodoma e Gomorra? Sim! Eu vi esse filme. Maneiro... É isso! Os vampiros são isso aí, sodomitas! Disse o rapaz enquanto soltava um suspiro etílico vindo da região do umbigo.

O velho Conde Drácula ficou paralisado na cadeira do carro, com olhar petrificado. Ele não podia acreditar naquilo que ouvira. Como todo bom vampiro do Velho Mundo, o também velho Conde era totalmente homofóbico, moralista até a medula. Em seus tempos de jovem vampiro, nunca mordeu rapazes afeminados por medo de pegar alguma doença pelo sangue. Pelo menos foi isso que os outros vampiros mais velhos diziam para ele. Isso agora era a desgraça da categoria! Agora eles se transformaram num bando de delinqüentes que se entregavam aos prazeres mundanos dos mortais.

_Você tem certeza? Todos? Perguntou o Conde que agora estava mais branco do que nunca.
_Bem... Todos não, mas a maioria sim! Chupa pescocinho daqui, pega no pulso e suga dali. Já viu alguns desses filmes onde os vampiros choram quando matam uma vítima? Ficam arrependidos; fazem cara “ui ui ui” quando chupam o sangue? Choram até ficar com maquiagem borrada... Aí vem outro vampiro e o abraça, choram juntos, se lembram de quando foram bolinados pelo padrasto ainda jovens... Usam cabelos longos caídos no rosto, brinquinhos de prata na orelha. Fazem cara de tristes e amargurados. Anda pela noite atrás de um rapazinho belo e indefeso para começar com a sua viadagem! Disse o rapaz, que pelo visto era mais homofônico e moralista do que o velho Conde, enquanto lançava pedaços do pulmão envoltos em perdigotos no painel do carro.

_Mas quando começou isso tudo? Perguntou Conde com dificuldade de falar.
_Não tem tanto tempo assim... Acho que começou entre os anos 60 e 80 com uns filmes pornográficos: "Dracula Sucks", "Dracula and the Boys", "Gaycula", "Love Bite"... Mas ficou famoso mesmo depois que uma dona chamada Anne Rice começou a escrever histórias de vampiros. A comunidade gay entrou em polvorosa, foi um deliro só. Daí foi questão de tempo para começar a aparecer mais filmes, revistas, livros, campanhas publicitárias, bares temáticos, Muzik, jogos... Existem algumas exceções, mas são poucas. Não existem mais vampiros como Christopher Lee, Bela Lugosi, John Carradine... Esses eram machos! Como eu sei de tudo isso? Pó, véi! Sempre adorei histórias de vampiros, sempre achei o máximo, mas assim que começou a pederastia... parei. Disse o rapaz com pesar.

_Então não existe mais espaço para vampiros como eu... hã... digo, vampiros como antigamente? Perguntou o velho Conde Drácula com as sobrancelhas apertadas.
_Falando sério? Meu tio... Acho que não!
_Pare! Disse o Conde.
_Quê isso véi? Vai ficar no meio da estrada? De noite? Perguntou admirado o rapaz.
_Não ire mais para a cidade! Voltarei. Não tenho nada a fazer lá. Regressarei ao meu sono sepulcral e quem sabe acordar daqui uns 300 anos... O Conde descia do carro enquanto falava com o rapaz.

O rapaz ficou olhando para aquela figura cabisbaixa, triste, que andava com passos lentos e sôfregos. A capa preta sumia na escuridão lentamente. De repente o vulto se transformou em fumaça, e no meio dela, surgiu voando um grande morcego que seguiu em direção a seu antigo castelo, sua fiel morada. O rapaz olhou com espanto para aquilo, mas depois ficou sério, entrou no carro e deu partida.
_Acho que bebi demais... Ora! Não existem mais vampiros com aquele...


Márcio Delgado
Conto originalmente escrito em 1996. Revisto em 2012.

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