segunda-feira, 4 de julho de 2011

Conto de Ficção Científica - Portal das Estrelas

Depois de mais de trinta anos de projeto, dez anos de brigas políticas e articulações de bastidores no Conselho de Ciências, dois anos de concorrências e contratos e mais quinze anos de construção - contando com atrasos e um atentado terrorista – finalmente o Portal estava pronto. Uma verdadeira odisséia, para finalmente o velho Dr. Clarke poder dizer: Está pronto!

A Estação Orbital Portal das Estrelas estava operando. Dr. Clarke dispensou quase 60 anos a um projeto que custou muito mais do que uma elevada cifra aos cofres do Conselho. Custou sua vida pessoal. O resultado era um velho homem, doente, completamente sozinho. O "Portal das Estrelas" foi a realização de um sonho de um jovem acadêmico de Biologia. Que mais tarde se transformou em Físico, Químico, Engenheiro Aeroespacial e uma infinidade de especializações Científicas, graças a uma capacidade autodidata inacreditável e uma força de vontade sufocante.

Na verdade, o Projeto Portal das Estrelas, representava a construção de duas estações de pesquisas em órbita da Terra. A primeira, seria destinada às Ciências Físicas e Químicas. Agora uma infinidade de experimentos e testes poderiam ser feitos em horário integral, com um completo suporte técnico. Laboratórios de Física e Química de última geração, um Observatório Espacial com todo tipo de Instrumentos e um Centro de Estudos Aeroespaciais eram um dos recursos com que contava.
A segunda era destinada às Ciências Biológicas e Médicas, possuía também vários laboratórios, Análises Clínicas, Genética, Reprodução, mantinha uma gigantesca Estufa com milhares de espécies de plantas e algas, um pequeno Zôo e um Hospital. Mas o Dr. Clarke queria muito mais que um Centro de Pesquisas. Queria uma espécie de Universidade Orbital, pois além de um corpo de cientistas, o Portal das Estrelas contaria com toda uma estrutura destinada a centenas de estudantes das áreas de estudo das Estações.

A inauguração fora o maior acontecimento político e social das últimas décadas. Contou com a presença de políticos, cientistas, empresários, investidores, colunistas sociais, líderes religiosos, estrelas de cinema e da música, jogadores de futebol e outras celebridades. Todos que estavam em voga no Planeta "de baixo" estavam lá "em cima". O coquetel foi no Portal das Estrelas 2. É claro que a centrífuga geradora de gravidade (2/3 da Terra) da Estação estava operante, pois seria impossível realizar um coquetel em uma região de imponderabilidade. Imaginem ponche e canapés em queda livre - como todos - pelo saguão nobre.

O velho doutor não estava nem um pouco satisfeito com o circo que os patrocinadores armaram, mas ele sabia que seria inevitável. Para a administração das Estações, fora escolhida duas comissões, cada uma responsável por uma. Os patrocinadores se certificaram que o Dr. Clarke não participaria na escolhas dos Administradores. Isso foi um erro, que custou caro. Com a velha política de agradar a todos, "uma mão lava a outra", a escolha dos Administradores não contou com a presença de nenhum administrador de verdade ou de um físico, ou biólogo, ou engenheiro. Enfim, nenhum técnico. Todas as duas comissões eram formadas por advogados e lobistas.
O velho Clarke protestou. Mas ele era tratado como uma "lenda viva" que estaria acima dos problemas. Seria o eterno dono das Estações, apesar de nunca ter tido voz ativa depois da inauguração. Todos diziam que ele era um gênio, mas todos o ignoravam agora. Os efeitos negativos começaram a aperceber no final do primeiro ano de operação quando seriam destinadas as verbas para cada Estação. Aquilo que era para ser uma "Cooperativa Científica", com uma interação entre as duas Estações, estava apenas na teoria. Os Administradores que tinham a palavra final, só se importavam com o prestígio político -conseguindo mais verbas para uma, em detrimento da outra - criando um sentimento de rivalidade entre as duas Estações que seria inadmissível para o Dr. Clarke. Por sorte ele não sobreviveu para ver isso, morreu de velhice na Terra, sozinho. Até os próprios cientistas de ambas as estações estavam constrangidos pela briga política e de intrigas que o Portal das Estrelas se transformara.

Mas além de constrangedora, a situação estava ficando séria, pois o atraso na liberação das verbas estava colocando em risco as Estações. Alguns laboratórios estavam sendo desativados por falta de condições de trabalho. Muitos pesquisadores e estudantes voltaram para a Terra. Mas os Administradores, alheios aos ideais do Dr. Clarke, não se desligavam de seus anseios particulares, mesmo que isso representasse o fim do Portal das Estrelas.

Em uma reunião entre os Administradores e os Patrocinadores - num total de trinta pessoas - que estava sendo realizada na Estação 1 na tentativa de resolver o impasse, aconteceu o que todos (técnicos e cientistas) temiam. Por falta de uma manutenção eficiente, houve um vazamento nas instalações pneumáticas do fornecimento de oxigênio e acetileno, que somado a uma pequena faísca, causara uma terrível explosão que deixara um enorme rombo no casco da Estação, fazendo com que quase toda a reserva de oxigênio escapasse para o espaço, e como o sistema pneumático entrara em pane, o sistema auxiliar de emergência estava completamente isolado do resto da Estação. Apenas cinco pessoas se encontravam na Estação além dos que estavam na sala de reunião. Dessas restantes, somente duas eram cientistas, Salvor Mallow, um Biólogo, e Seldon Floyd, um Engenheiro Aeroespacial que estavam lá apenas para acompanhar o resultado da Reunião.

Ao perceber que a situação era de extremo perigo, os dois tentaram se dirigir para a sala de comunicações. Impossível. O caminho que levara até lá, estava lacrado por causa do vazamento de oxigênio. Sem escolha, resolveram então ir até a sala de reunião e avisar aos “doutores” (com aspas, pois era assim que os cientistas se referiam aos Administradores e aos Patrocinadores quando queriam usar um termo pejorativo) que a situação não era animadora. Durante o caminho, Salvor Mallow calculou apenas 2 horas de oxigênio. Ao chegar na Sala, encontraram uma cena que seria motivo de riso, se a situação não fosse tão séria. Os "doutores" estavam todos debaixo da grande mesa, olhando um para os outros com ar de desespero, pedindo ao céus perdão para os seus pecados.

Seldon Floyd foi logo falando, sem rodeios, bem diferente dos "doutores".
_Senhores! Serei breve. Uma grande explosão nos privou de quase todo o nosso oxigênio, as portas de emergência estão lacradas e não podemos alcançar a sala de comunicações, o hangar de cápsulas de fuga está em chamas. Os sistemas contra incêndio não estão funcionando porque não tivemos verbas para colocá-los em operação. Logo, não podemos esperar que a Terra descubra que estamos em perigo nas próximas três horas, intervalo esse que marca o sinal do Rádio Farol. Como temos apenas 2 horas de oxigênio, estamos esperando sugestões...

Uma onda de gritos, desesperos e tentativas de suicídios invadiu a sala. Todos os "doutores" estavam completamente loucos, foi preciso alguns minutos para que os dois cientistas conseguissem acalmar os pobres diabos.

_ Agora que ouvimos as sugestões dos nobres senhores... - Seldon disse isso com um pequeno sentimento de vitória - esperamos que os Senhores nos ouçam.
Nesse momento, os outros tripulantes, 3 técnicos entraram na sala e confirmaram o cenário de caos em que estava a Estação.
_O Dr. Salvor é um Biólogo, durante o ano, ele e sua equipe trabalharam - enquanto tinham verba - em um composto químico que seria utilizado na combinação de procedimentos para a criogenia, esse composto, se aplicado na corrente sangüínea, reduziria o metabolismo humano para 20% durante um grande intervalo de tempo. Dependendo da dosagem, a pessoa entraria em sono profundo e hibernaria até que o efeito passasse ou fosse acordada. Como nós precisamos de uma economia de oxigênio urgente, sugerimos que todos nós recebamos o composto, com exceção de minha pessoa, o Dr. Salvor e um Técnico. Nós devemos ficar acordados para realizar o resto do plano. Devo dizer-lhes que o composto ainda está em fase de testes. Então Senhores?

A proposta recebeu alguns protestos, como o de não querer ser uma cobaia, serem enganados, medo de agulhas... Mas depois de muita diplomacia os "doutores" aceitaram e dois dos técnicos a aceitaram sem objeção.
_ Agora que nos livramos do maior problema, devemos cuidar do outro. Disse o Engenheiro.

As chamas estavam se espalhando muito rapidamente. As portas anti-fogo agüentariam por muito tempo ainda, mas o medo de novas explosões deixavam os 3 homens preocupados.
_ O que faremos agora? Perguntou o jovem Técnico em Mecânica.
_ Devemos alcançar o Observatório da Estação! Antes que o fogo chegue até lá!
_ Mas como? As portas estão lacradas! Perguntou Dr. Salvor Mallow.
_ Eu vou lá fora. Eu darei a volta pela Estação. Disse o Engenheiro que também era piloto em "gravidade zero".

Os dois homens olharam com olhar de preocupação para Seldon Floyd, mas o que poderiam fazer? Muitas escolhas é que não tinham. O técnico ajudou ao Engenheiro a colocar o traje e montou a cadeira com dispositivos de locomoção pneumáticos que seria responsável pelo "passeio" no espaço do Engenheiro com extrema agilidade. Em alguns minutos, Seldon estava no lado externo da Estação 1. Utilizou uma escotilha de gás carbônico para sair. Já sentira várias vezes o silêncio absoluto do Espaço, mas sempre era um choque, uma sensação de completa liberdade. A sua frente, via a Portal das Estrelas 2 deveria estar a uns 30km de distância, "debaixo" dele , a Terra ocupava 130º da vista dele, uma imensa esfera azul, extremamente brilhante impossibilitando a visão completa da circunferência. Mas o destino era o topo da Estação, lá estaria o seu objetivo: o Observatório. O tempo estava contra ele.

_ O que ele foi fazer lá no observatório? Perguntou o técnico.
_ Eu acho que sei... espere um pouco, ele levou a lanterna de plasma não? Disse o Biólogo com um sorriso no rosto.

Ao atingir o Observatório, Seldon de certificou que não estava em chamas, elas ainda estavam longe. Usou o código de emergência para quebrar o lacre externo que servia de entrada e saída para manutenção. Ao abrir o lacre, viu por alguns segundos, um grande jato de ar saindo da abóbada do observatório, logo depois conseguia notar o ar se transformando em cristais de gelo, criando uma pequena nuvem branca no exterior da escotilha. Iluminou dentro da abóbada com a lanterna de plasma, notou mais uma vez a fina camada de gelo depositada dentro da câmara. Todo oxigênio dali se fora. Tinha apenas 1 hora e 12 minutos. Aproximou-se dos grandes espelhos que serviam de reguladores de foco de grande telescópio, que além de óptico, era de infravermelho e de ultravioleta. Conseguiu sem dificuldades, com ajuda de uma talha exponencial, retirar um dos espelhos - é claro que em virtude da imponderabilidade, o espelho se tornara muito mais fácil de manejar, mas Seldon não se esquecera de que o momentum do espelho era o mesmo, não importando a atração gravitacional do meio, portanto tomara um extremo cuidado ao retirar o espelho. Trinta minutos se passaram até conseguir colocar o espelho de altíssima precisão na abertura da abóbada.

Agora começara o momento em que eles teriam que contar com a sorte também. Com a lanterna de plasma em potência máxima, começou a mirar sinais ritmados em direção ao espelho, este virado para a Estação 2. Nunca fora religioso, nunca acreditara na intervenção do tal ser superior na vida dos homens, mas por via das dúvidas, Seldon ensaiou uma oração que aprendera com a avó na Terra, enquanto fazia seus sinais ritmados em direção ao Portal das Estrelas 2.

A Dr. Jessica Dors estava em seu projeto, cuidando de sua plantação de tomates quando reparou que uma das estrelas além da Estufa estava piscando. Piscando? Largou sua pá de jardineiro e pensou o que significaria aquela luz vindo da direção da Estação 1. Os sinais eram bem visíveis agora. Observou por alguns segundos até que aquela luz piscando começou a fazer sentido... 
_Sim! Eu conheço isso! É código Morse! Ainda bem que eu fui bandeirante quando pequena... Mas...Hein? De repente a jovem doutora saiu em disparada em direção à saída da Estufa. Todos olharam para ela tentando imaginar o que teria acontecido.

Os homens estavam começando a sentir falta de oxigênio na sala... O Dr. Salvor Mallow estava quase perdendo os sentidos. Já passara duas horas e o oxigênio já teria terminado se não tivessem feito com que os "doutores" dormissem. O Dr. Seldon Floyd ainda estava fazendo os sinais quando percebeu que três naves saíra da Estação 2 em direção a Estação1. Conseguiu respirar aliviado. Dentro de 20 minutos todos já haviam sidos resgatados. O Dr. Salvor e o Técnico estavam desmaiados quando a equipe de resgate chegou, felizmente nada de mais sério. O fogo estava sendo controlado na Estação 1 graças a uma equipe de Socorro enviada da Estação de Tycho, na Lua.

Depois do acontecido, muitos pensaram que o projeto Portal das Estrelas seria abandonado definitivamente. Mas a reação popular na Terra foi tão intensa em favor dos dois salvadores, Salvor Mallow e Seldon Floyd que o projeto foi retomado com força total. Mas com uma mudança drástica no Conselho de Administradores. Todos os "doutores" voltaram para seus antigos cargos, ou seja, estão apenas parasitando em algum órgão governamental.

A respeito da divisão de verbas, nunca mais houve qualquer incidente na partilha da verba. O pão seria partilhado igualmente. Dr. Clarke agradece. 






Márcio Delgado
Conto escrito originalmente em 1998. Revisto em 2011.

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