domingo, 26 de junho de 2011

Conto de Ficção Científica - A Espera

Aleksey sentiu um frio na espinha e acordou com um sobressalto, ficou com olhos arregalados e suando frio. Olhou para o relógio fixado sobre a sua cabeça e percebeu que dormira por apenas dois minutos. Ficou calmo e respirou fundo tentando relaxar. Ficou se perguntando como poderia ter dormido naquela situação, no momento mais importante de sua vida. Aleksey já estava sentado naquela posição havia várias horas, e suas nádegas já estavam dormentes. Olhou impaciente para os lados usando apenas os globos oculares, já que seu traje mal o deixava se mexer.

As únicas coisas que Aleksey podia ver era o pequeno relógio que ficava a alguns centímetros acima de sua cabeça, uma janela de alguns centímetros quadrados um pouco abaixo do relógio e algumas pequenas luzes vermelhas que piscavam ao lado da janelinha (Aleksey se perguntara se elas tinham alguma utilidade). Por quanto tempo mais ele esperaria? Será que esse atraso era apenas para dar mais importância ao acontecimento ou eles tiveram um problema realmente sério que colocaria a missão em perigo?

Aproveitou a oportunidade para voltar no tempo em algumas décadas, para se lembrar do tempo de menino, quando ficava junto com seus amigos de longe "espionando" aqueles "homens de roupas engraçadas e reluzentes" naquela base militar perto da fazenda do seu avô em Smolesk. Agora ele era um dos "homens de roupa engraçada e reluzente".

A pequena cabine em que se encontrava tinha apenas uns dois metros de altura por um e meio de largura, e além de se sentir como uma sardinha, Aleksey estava começando a sentir calor. Xingou todas as gerações dos engenheiros que prometeram a ele que o capacete era contra embassamento. As pequenas luzes vermelhas piscavam do mesmo jeito desde quando ele entrara na Vostok 1 (sempre achou o nome horrível, mas nunca falou com ninguém) e Aleksey estava começando a ficar maluco com isso. Olhou mais uma vez ao redor, e percebeu pela janelinha, que a dia já estava no fim.

Fazia muito tempo que ninguém da Ponte falava com ele pelo rádio instalado em seu capacete, e já estava ficando preocupado. Tentou sem sucesso ficar calmo, pois se lembrou que estava sentado sobre uma bomba relógio de toneladas de material explosivo.

Estava ficando entediado com essa espera. Isso era bem diferente daquela carreira excitante e cheia de aventuras que ele esperava ter quando se formou piloto em 1957... Bem, emocionante ainda não havia sido, mas dolorosa sim, e muito! Ainda se sentia como "carne moída" depois de meses dos mais esdrúxulos testes e provas físicas que os cientistas puderam inventar e imaginar. Fez um pequeno muxôxo e começou a assoviar uma pequena música da sua infância quando de repente, Aleksey entrou em pânico!!! A coisa que ele mais temia aconteceu: uma coceirinha no nariz. Porque será que isso acontece sempre nessas horas? Como ele iria conseguir se coçar com aquelas luvas de três polegadas de espessura? Sem falar no visor de vidro que separava ele da atmosfera terrestre.
Enquanto ele estava tentando coçar o nariz com a língua, foi interrompido pelo rádio:

_Aleksey! Tudo em ordem? Perguntou uma voz grossa, porém conhecida.
_Tudo bem! Ainda vou ter que espera muito? Peguntou Aleksey com um ar de esperança, já completamente esquecido da coceira.
_Não, os pequenos imprevistos já foram equacionados. Respondeu a voz do Chefe da Missão.
"Pequenos imprevistos? Se fosse sério, acho que eu já teria virado poeira cósmica"- pensou Aleksey.
_Já esta tudo pronto, só estamos esperando um sinal seu major.
_Então vamos logo com isso! Repondeu Aleksey com um pouco de impaciência na voz.
_Tudo certo então, contagem regressiva de 15 segundos.
Bem, agora estava tudo encaminhado, Aleksey tinha apenas quinze segundos para rever toda a sua vida... Deixou isso para quando voltasse, afinal tudo não passaria de duas horas...
"QUINZE"
"Espero que eles realmente tenham resolvido os tais "pequenos imprevistos..."
"QUATORZE"
"Devo ser um completo maluco para estar aqui e agora!"
"TREZE"
"Já está bem escuro, posso ver as estrelas pela janelinha sobre sua cabeça. O céu está um pouco nublado..."
"DOZE"
"Engraçado...agora estou gelado"
"ONZE"
"Esse rádio está um pouco alto... cada número parece o bater de um gongo em meus ouvidos!"
"DEZ"
"Poderia ter trazido o Pravda para ler enquanto esperava."
"NOVE"
"Será impressão minha ou a coceirinha voltou?
"OITO"
"Que barulho foi esse?"
"SETE"
"É melhor ficar calmo, estou perdendo o melhor da festa."
"SEIS"
"Por que será que nessas horas nós nos descobrimos ótimos comediantes?"
"CINCO"
"As pequenas luzes vermelhas estão piscando em uma ordem diferente...talvez fosse esse o "pequeno imprevisto"..."
"QUATRO"
"Onde fica o pára-quedas?"
"TRÊS"
"Será que eles parariam a contagem agora? Quero ir ao banheiro!!"
"DOIS"
"Vou ter que aguentar até a próxima parada."
"UM; ZERO; ignição!"

Era noite de 12 de abril de 1961 e a planície Russa ficou completamente tingida de vermelho pela grande bola de fogo que saía da parte inferior do grande foguete negro. Os humildes fazendeiros que moravam em volta da "Cidade das Estrelas" já estavam acostumados com aquelas flechas incandescentes rasgando o céu noturno em sentido ao espaço. Mas essa era a primeira vez que havia um homem sentado sobre toneladas de propelente prestes a explodir na pequena cápsula Vostok 1.

Somente um maluco para enfrentar uma prova dessa, um maluco que entrou para história da humanidade sendo o primeiro homem a entrar em órbita da Terra, um maluco corajoso e sonhador chamado Yuri Alekseyevich Gagarin, ou apenas Yuri Gagarin para o Mundo.

Este conto é em homenagem a todas aquelas pessoas que, alheias aos mesquinhos interesses políticos de sua época, acreditaram em um ideal e deram tudo por um projeto que parecia impossível.

Márcio Delgado
Conto escrito em 1997. Revisto em 2011.

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