A NECROSE também é pura emoção. Essa é uma história que narra o infortúnio que foi a vida de um pobre mancebo conhecido por Léo Peidão. Esse homem, que apesar de sempre procurar agir da melhor maneira possível e procurar fazer o bem ao próximo, sempre foi alvo dos mais sórdidos e desagradáveis caprichos do destino. Essa história - que é verídica - mostra a todos nós que a vida, "se resume a grandes pedaços de estrume" (filósofo Paulo Augusto da Monteirão).
Léo Peidão começou a deixar a sua marca negra nesse mundo antes mesmo de nascer. No ato da concepção, o pai de Léo Peidão, no auge do ato sexual, começou a gritar o nome de sua amante: Marieta Fim-de-Noite. É claro que a sua mãe (não a sua, a do Léo), ficou muito magoada com o evento, mas como era uma mulher humilde e submissa ao marido, ficou em silêncio, amaldiçoando a futura cria que poderia ser fruto daquele momento. A merda estava feita!
No dia de seu nascimento, vários fatos marcaram aquela trágica data. A mãe de Léo Peidão morreu durante o parto. Ela sofria de uma prisão de ventre que durava 9 meses (terminara exatamente naquele momento). Léo Peidão nasceu numa pequena cidade do estado do Rio, numa sexta-feira treze, em agosto. Reza a lenda que Léo Peidão nasceu pelo pé esquerdo, e que estava rindo quando foi retirado da mãe morta. É claro que isso não passa de lenda, pois isso seria o suficiente para acusar o menino de "Filho do Tinhoso", ou "Anticristo", ou "Rebento do Capeta"... e atirá-lo ao rio.
O menino cresceu forte e sadio, apesar de todas a mazelas que atingiram a família desde a sua chegada. O irmão mais velho foi atropelado pelo caminhão de leite quando foi pegar o bebê (Léo Peidão com 2 anos) que atravessara a rua sozinho num momento de descuido. Depois que Léo Peidão (com 8 anos) abrira as porteiras da fazenda do patrão de seu pai, fazendo com que o gado morresse afogado na "Grande Enchente de 82", seu pai nunca mais conseguiu um emprego fixo em uma fazenda. As irmãs de Léo se tornaram prostitutas em uma cidade grande depois que seus noivos (rapazes bons e de família) morreram ao cair com a carroça no rio. Dizem que os cavalos se assustaram quando Léo Peidão (então com 12 anos) caíra de um pé de manga que ficava na beirada da estrada (Léo não sofrera nenhum arranhão). O avô materno morrera asfixiado quando Léo Peidão (com 13 anos) levara sua máscara de nebulização para escola a fim de mostrar à professora (posso imaginar o pobre velho agonizando com a última gota de ar que tinha em seus pulmões: "d...d...devolve moleque desgraçado!!!"). A amante de seu pai, Marieta Fim-de-Noite, transformou-se em Irmã Beneditina, depois de ver a imagem de Jesus Cristo mexer no altar da Matriz (na verdade, Léo Peidão, então com 15 anos, escondera atrás da imagem ao fugir do padre após ter deixado as hóstias da missa caírem no galinheiro). Como o leitor pôde ver, o rapaz continha alguma coisa que atraía desgraças à sua família e aos amigos.
O menino cresceu solitário. A única namorada, uma bela moçoila, morreu em virtude de uma febre fulminante que a pegou ao ficar sob uma chuva com Léo Peidão (o guarda-chuva dele emperrou). O pai de Léo Peidão morreu de alívio (literalmente) quando seu filho decidiu tentar a sorte no Rio de Janeiro ao completar a maior idade. A cidade inteira foi até o ponto do ônibus para ter certeza de que ele iria realmente embora.
Depois de 3 pneus furados e uma égua atropelada; finalmente o ônibus chegou ao Rio de Janeiro. O rapaz ficou maravilhado com a grandiosidade da cidade, com as praias, as pessoas, os carros, os prédios, as favelas, o lixo... Depois de apenas quinze minutos no Rio, foi assaltado. Mas a estrela negra de Léo brilhou mais uma vez, quando os pobres delinqüentes fugiam com suas malas, parte de uma obra desmoronou sobre os meliantes, esmagando-os na hora. Léo Peidão pôde assim reaver seus pertences. Imagine o egrégio leitor: um rapaz humilde, ingênuo, pobre e com um encosto deste no caos que é o Rio de Janeiro. Vagou durante horas pelas ruas da "Cidade Maravilhosa" (quem disse isso estava em um avião) até chegar na famigerada Praça XV.
Qualquer pessoa que conheça a Praça XV sabe que, principalmente a noite, não se trata de um lugar aconselhável para uma reunião de família, muito menos para se formar uma. Léo Peidão procurou muito entre cabarés, botequins, boites e "suadouros", um hotel para repousar. Existem vários estabelecimentos na região que não podem ser considerados hotéis; não por pessoas de visão curta como nós. São hotéis que prezam amizade sem compromisso, os encargos não são diários, e sim horários. Esses hotéis possuem uma pastoral que prega a relação íntima entre homens e mulheres com mulheres e homens com outros homens, todos de uma vez ou fazendo fila, um atrás do outro... essas coisas.
Léo Peidão, que era muito religioso, escolheu um hotel pelo belo nome Bíblico: "Madalena de Sodoma". Ao adentrar pelo saguão do Hotel, Léo Peidão levou um choque. Toda a escória da sociedade estava presente ao saguão: prostitutas, traficantes, ladrões, cafetinas, estelionatários, advogados, estudantes de comunicação social, fanáticos religiosos, despachantes, escritores de contos de terror e políticos. Léo Peidão tentou ignorar aquele ambiente e se dirigiu ao balcão.
Um imigrante coreano, que parecia ser o dono do mafuá lhe atendeu com um sotaque carregado:
_Pagamento adiantado! Disse o coreano.
_Tudo bem meu bom homem! Onde assino? Léo disse com benevolência.
_Aqui! O coreano que se chamava Li Bo Tei apontou com o dedo na linha pontilhada do grande livro de registros do Hotel Madalena Sodoma.
Mas ao assinar o documento, a estrela negra de Léo Peidão fodeu novamente.
Um enxame de policiais civis entraram no suvaco de cobra atirando e perguntando depois. Foi uma balbúrdia, um pandemônio. Pessoas correndo e gritando por todos os lados, alguns traficantes e advogados revidaram os tiros, a polícia subia as escadas atirando em tudo que se movia, o cacete descia sem cerimônia, uma freira que estava no saguão tentando converter algumas das funcionárias do hotel levou um tiro de escopeta da nuca. Cenas de violência e morte por todos os lados. Um traficante teve sua parte inferior da unha perfurada por uma farpa de madeira. Léo Peidão só teve tempo de pular o balcão e se esconder com o coreano. Não demorou muito para tudo se acalmar. Logo todos foram levados para a delegacia (alguns para o IML), inclusive o pobre Léo Peidão.
Um enxame de policiais civis entraram no suvaco de cobra atirando e perguntando depois. Foi uma balbúrdia, um pandemônio. Pessoas correndo e gritando por todos os lados, alguns traficantes e advogados revidaram os tiros, a polícia subia as escadas atirando em tudo que se movia, o cacete descia sem cerimônia, uma freira que estava no saguão tentando converter algumas das funcionárias do hotel levou um tiro de escopeta da nuca. Cenas de violência e morte por todos os lados. Um traficante teve sua parte inferior da unha perfurada por uma farpa de madeira. Léo Peidão só teve tempo de pular o balcão e se esconder com o coreano. Não demorou muito para tudo se acalmar. Logo todos foram levados para a delegacia (alguns para o IML), inclusive o pobre Léo Peidão.
Léo Peidão estava desolado. Estava no Rio ha apenas algumas horas e já assistira várias cenas de violência explícita. E agora estava a caminho da Delegacia... O que o seu pai diria disso? Com certeza diria: "Coitados dos Policiais".
No Distrito Policial, Léo Peidão conheceu um homem que julgava existir apenas nos livros de terror. O Delegado Lobo Quiquito se aproximou da torpe que chegava e disse:
_Caralha!! O que essa ralé está fazendo aqui no meu Distrito?
_Doutor Delegado, nós não fizemos nada! Disse uma das mundanas.
_Lúcio! Lúcio! Tira esse pessoal daqui! Leva todo mundo pra gaiola! Afinal? Quem senta na cadeira que gira aqui? Eu!
_Mas seu Quiquito! Tentou argumentar o coreano dono do Hotel.
_Caceta! Cale-se, senão serei Brutal, Bruno Brutal com você! Vociferou o Delegado.
Léo Peidão assistiu aquilo tudo com muita tristeza. Não quis se meter em mais nenhuma encrenca e foi pacificamente para o xadrez. Mas o encauto Delegado Lobo Bananinha (outro apelido) não poderia imaginar que estaria assinando sua sentença.
Assim que Léo Peidão pisou na carceragem, uma bomba explodiu em uma das selas.
Assim que Léo Peidão pisou na carceragem, uma bomba explodiu em uma das selas.
Era uma rebelião de presos (mais uma) que estava sendo preparada ha vários meses e que escolheram aquele exato momento para começar. Vários corpos de policias foram despedaçados com a explosão. Na confusão, muitos presos agarraram os guardas e começou o tiroteiro. Outro inferno começara! Pessoas que passavam na rua entraram correndo para dentro da Delegacia para participar da carnificina. Tiros, bombas de gás, cacetetes, mordida na orelha! Tudo valia. Algumas viaturas da polícia chegaram e começaram a atirar. As cenas seguintes ultrapassaram o limite da violência. O Carandiru perto daquilo que virou o Distrito Policial do Delegado Quiquito parecia com uma colônia de férias de escoteiros. Pilhas de mortos e feridos eram arremessadas pelas janelas. No meio da confusão, Léo Peidão fugiu. O pobre coreano Li Bo Tei foi confundido com um cadáver e foi defenestrado do 3º andar (agora sim era um cadáver). O Delegado Baby conseguiu fugir vestido de mulher pela portas dos fundos. Só com a chegada do Esquadrão de Extermínio da Polícia Militar, a rebelião foi contida.
Léo Peidão sabia que todas aquelas desgraças eram frutos de seu encosto. Léo Peidão (que recebeu esse apelido depois de matar involuntariamente um homem em um elevador, ao qual ficaram presos juntos), resolvido a dar um basta nessa loucura, cansado de levar desgraça e sofrimento a todos que cruzam seu caminho, resolveu fugir para o interior de Minas Gerais. Mudou de nome, mudou de cara com uma plástica (o cirurgião morreu de câncer) e resolveu levar uma vida incógnita como escritor de história imbecis na Internet.
Márcio Delgado
Conto escrito em 1998. Revisto em 2011.
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