1952, quinta-feira, 23 de dezembro.
Leonel sai de casa para passar o natal com a família no Rio de Janeiro. Nas estradas mineiras chovia como ele nunca tinha visto antes. Sozinho no carro, Leonel sentiu um calafrio como se estivesse prestes a morrer. Na mesma hora parou o carro no acostamento e começou a sentir febre e a suar frio. Na estrada não passava um veículo e a chuva havia aumentado. Quase cego com a tempestade, Leonel avista uma luminosidade não muito longe de onde parara carro. Caminhando com dificuldade, o pobre homem chega até o portão do que parecia ser um mosteiro franciscano, parcialmente encoberto pela vegetação da Serra de Petrópolis. Naquele momento, sequer chegou a pensar que apesar de conhecer bastante a estrada, nunca havia reparado naquela construção que parecia ser mais antiga que a própria estrada. Ao bater na porta, manuseando pesadas aldravas, gritou por ajuda mas até desmaiar.
Sem qualquer noção de tempo, Leonel finalmente acorda com muita dor de cabeça em um quarto escuro, frio e úmido. Ele estava deitado numa cama simples e pela janela podia ver que a chuva não havia reduzido. Quando tentou levantar-se da cama a porta se abre e um homem alto vestido de monge entra no quarto.
_ Você deve deixar o mosteiro imediatamente - O homem fala
com uma voz solene e soturna.
_ Estou doente. Não podem me mandar embora deste jeito, por
favor deixe-me ficar. - Agonizou Leonel, quase chorando.
O monge não disse mais nada e se retirou do aposento. Preocupado em ter que ir embora, Leonel se levanta e sai do quarto sorrateiramente. O lugar mais parecia um calabouço medieval. O coitado não sabia o que fazer. Por instinto, Leonel desce as escadas para o que parecia ser um porão, ou melhor, uma masmorra, pois era possível ver nichos nas paredes fechados por grades.
De repente uma voz, que parece vir de uma das celas, o chama pelo nome. Alarmado e curioso, Leonel se aproxima da grade e percebe que esta se encontra trancada com um pesado cadeado. Apesar da pouca luz, Leonel consegue ver que através da pequena grade um homem magro de cavanhaque se dirige a ele.
_ Amigo, você precisa me ajudar. Esses monges me prenderam
aqui e me torturam quase diariamente. E eles farão isso com você também se não
fugirmos logo. Por fa..."
Antes do sujeito concluir a frase, o mesmo monge de antes, se interpõe entre Leonel e a grade e grita alto com ele:
Antes do sujeito concluir a frase, o mesmo monge de antes, se interpõe entre Leonel e a grade e grita alto com ele:
_ Saia já daí!!! - Agarrando-o pelo braço, o monge
apresentando uma força impressionante arrasta o enfermo rapaz escada acima
enquanto este consegue ver o braço e a mão do prisioneiro projetados para fora
da grande numa tentativa desesperada de alcança-lo. O pobre Leonel não tinha
qualquer força para reagir e assim foi levado facilmente.
Agora, levado para uma sala gigantesca repleta de monges, ao ser deixado no centro e ajoelhado ao chão, Leonel se vê como um réu sendo julgado pelos sinistros monges que o circundam de maneira solene.O que parecia ser o líder daquela infame versão da bondosa ordem franciscana, falou:
_ Rapaz, você deve ir embora imediatamente. Foi um erro
nosso tê-lo deixado entrar aqui. Sabemos do seu estado de saúde mas não podemos
deixá-lo ficar.
Leonel mal ouviu o homem e desmaiou novamente. Horas depois, o infeliz viajante acorda mais uma vez, desta vez na masmorra. Mas por sorte, a porta que estava trancada com o mesmo tipo de cadeado que vira anteriormente, estava presa a uma parede tão antiga e danificada pela infiltração de séculos que se solta facilmente das dobradiças assim que Leonel projeta seu peso na grande ao tentar abrir a porta da cela.
Sem vigília, Leonel consegue chegar até a cela do velho prisioneiro, talvez para tentar o mesmo artifício. Mal se aproxima da cela, Leonel é surpreendido com o sujeito na pequena grade pedindo ajuda novamente.
_ Por favor, me tire daqui! Eles irão nos torturar! Eles são
de uma seita maligna. São adoradores de Satanás!
A ver que esta grade está fortemente presa a parede e tremendo de pânico, Leonel chega ao que parece um pequeno depósito no fundo da masmorra em busca de uma ferramenta ou algo capaz de abrir a cela e salvar o pobre velho.
Sua busca dá resultados e minutos depois Leonel retorna triunfante com um imenso pé de cabra. Com um pouco de esforço, a porta é finalmente arrombada. O sujeito magro sai correndo da cela, rindo como se uma piada hilária tivesse acabado de declamada por um talentoso bufão. Sem saber do que se tratava e imaginando que isso poderia ser reflexo da loucura que crescera no velho depois de décadas de cativeiro, Leonel corre também pelos corredores da masmorra até dar de cara com um imenso monge que aparentava ter quase dois metros de altura.
_ O que você acaba de fazer, maldito?! - Rugiu o monge que Leonel ouvira do velho ser um Adorador do Infame Anjo Caído.
_ Me solte! Me solte seu filho de Satanás! - Gritava Leonel
tentando se soltar das mãos do monge que o prendiam segurando-lhes os
ombros.
Com um olhar mais de temor do que de raiva e com uma voz quase beirando o desespero, o homem alto encara o pobre Leonel e diz:
_ Você não sabe o que fez... Sua vida está condenada! Você
acaba de libertar o próprio Satanás e ele fará de você o seu servo predileto.
Sua alma será dele!
Ao ouvir tais palavras e sentindo no fundo de sua alma que estas eram verdadeiras, Leonel emite um terrível grito de pavor... um último grito de pavor, pois morrera naquele último suspiro de sua alma, que imediatamente começa a descer para as profundezas da danação eterna.
Wazigo
Conto escrito em 1998. Revisto em 2014.
Conto escrito em 1998. Revisto em 2014.
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