domingo, 2 de fevereiro de 2014

Contos de Ficção Científica - Prometeu e o Fogo



https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEit3dG28sZTJdCWc_2t9c-EHC6V4RDBbUS_YcNgMY6Hx4o1Ood61SNi7rL591ExzOLIkuDAlMKFCuBhu8jbMk3IKTjfvy0nRxWQ5DhxITZccf0FAybwXngCk6PuLU8J1RSiYmE0E28ef7E/s1600/Sol.gif

Há horas Tom olhava para um ponto no infinito entre um painel, uma cadeira e o chão da vazia Ponte de Comando da Prometeu. Ele sabia que não havia mais nada a fazer além de esperar. De repente acordou do estado de letargia e checou novamente os controles de navegação e confirmou aquilo que já sabia: a Prometeu estava em rota de colisão com Sol.

O relógio na parede marcava 12:00 pm da Terra. Isso significava que as 13 cápsulas individuais de fuga dos outros tripulantes já deveriam ter sido resgatadas pelas naves da Estação Marte perto do cinturão de asteroides de Kruiper. Tom era o único tripulante a bordo, pois a colisão e a consequente explosão que causara toda essa situação havia destruído 3 cápsulas das 16 disponíveis, além da enfermaria, dormitórios e um dos hangares internos. Não foi difícil decidir quem ficaria na Prometeu pois Tom era o Comandante do Cargueiro Espacial.

Tom desmembrou as partes avariadas do resto da nave. Para passar o tempo, Tom assistiu todos os filmes e ouviu todas as fibras lasers da sala de recreação multimídia, comeu todas as latas de sorvete e bebeu todas as cervejas do refeitório. Vagou por toda nave onde havia oxigênio ou por onde não fora lacrada no momento da colisão, que por falta de informação e leituras dos sensores, só podia especular que tenha sido algum pequeno meteorito em viagem pelo sistema solar em altíssima velocidade. Fez uma bela faxina na Ponte de Comando, horas de bicicleta ergométrica e jogou paciência até amarelar as cartas (preferia pôquer, mas não havia parceiro). Tom só evitava um local, o observatório da nave. Sempre fora um homem forte, frio e durão, mas a idéia de ver o grande globo incandescente se aproximando a uma velocidade de mais de 50 mil quilômetros horários era um pouco demais para ele. Pelo menos era o que achava.

A temperatura dentro da Prometeu já estava ficando incômoda, já que parte do sistema de condicionador de ar se fora com a explosão. A nave havia acabado de passar por Mercúrio e a força gravitacional do planeta só contribuiria para aumentar a velocidade da nave, apressando assim a colisão. Tom e o computador já haviam previsto isso desde o dia da explosão, de modo que não foi nenhuma surpresa. Para ser mais exato, a passagem da Prometeu por Mercúrio fez com que sua trajetória inicial sofresse um pequeno desvio, portanto, a nave nunca iria realmente colidir com o Sol, pois na verdade, ela passaria em órbita bem próxima da estrela, o suficiente para vaporiza-la completamente. A viagem chegaria ao fim em questão de dias.

Em determinado momento, o calor estava ficando insuportável e Tom vagava pela nave sempre com uma garrafa de água e seu canudo para aliviar o mal estar. Por vários momentos, Tom pensou em simplesmente deitar e esperar a morte chegar, mas o instinto humano de sobrevivência falava mais alto.

Com uma temperatura de mais alguns milhares de graus centígrados a Prometeu seria transformada em poeira cósmica, com exceção do novo satélite solar Ícaro que estava em um dos porões de carga, pois era única coisa a bordo que aguentaria sem problemas o bombardeio incessante dos raios solares. O comandante, para passar o tempo, olhou mais uma o inventário da carga.

_ Pena que a Prometeu não é feita do mesmo material deste satélite, senão seu interior estaria a salvo, inclusive eu...

Nesse momento, um lampejo de luz passou pelo seu semblante. Mas estes não tinham nada a ver com os feixes de luz do Sol que atravessavam pelas estreitas janelas. O capitão da Prometeu flutuou até o hangar o mais depressa possível, pegou sua maleta de ferramentas no almoxarifado e entrou. O hangar 18 da Prometeu tinha uma luz fraca e azulada, pois o novo satélite era feito de um material com tecnologia de ultima geração. Apresentando uma reflexão de quase 100%, ele ficaria praticamente invisível para quem não o olhasse com cuidado. Como os raios solares são ondas eletromagnéticas, quase sua totalidade seria refletida pelo satélite, deixando-o imune à temperatura pois essa reflexão quase que absoluta impediria qualquer toca de calor.
Tom começou a trabalhar rápido, transpirando como nunca. Pegou suas ferramentas e começou abrir o Ícaro. O satélite tinha o tamanho de uma geladeira grande. Ao abrir a porta de manutenção, Tom viu o mar de instrumentos e equipamentos do satélite. Chegou a conclusão que levaria muito tempo para terminar o trabalho. Era exatamente o que ele não tinha.

O primeiro dia foi duro. Tom havia bebido 9 litros de água e mesmo assim se sentia desidratado. Suas roupas estavam ensopadas e parte dos equipamentos eletrônicos da Prometeu já estavam defeituosos. Mas a esperança de vencer a morte certa o havia dado forças que sequer imaginava e assim trabalhava freneticamente no satélite. As portas automáticas da Prometeu não mais funcionavam, alguns comandos de navegação da Ponte apagaram e as luzes piscavam. Ele só torcia para que o guindaste e o rádio da nave aguentassem por mais algumas horas.

Ao final do segundo dia, todo o interior do satélite estava no chão do hangar. Bilhões de dólares espalhados no chão. A esse ponto as luzes da Prometeu não funcionavam e a única luz que Tom dispunha era a lanterna do traje espacial que colocara assim que o casco da nave começou a ranger de maneira insistente. Tom, usando o rádio pessoal do traje - que por milagre ainda funcionava  - gravou suas coordenadas e o plano que havia criado para a Estação Solar de Mercúrio. Deixou a mensagem repetindo e voltou ao trabalho. Lacrou o traje, iniciou a descompressão do hangar e teve muito trabalho em abrir as portas externas manualmente com o seu corpo já bastante debilitado. Operando a ponte rolante, engatou o satélite e o levou lentamente até a porta do hangar.

Pela primeira vez Tom vira o Sol depois da explosão. O visor do capacete aguentava bem a radiação e ele pôde ver a imensa esfera laranja ocupando cerca de 30 graus da visão. Seu traje não suportaria muito mais aquele bombardeio de radiação eletromagnética. O braço mecânico do guindaste levou o Ícaro para fora e assim que estava uns 15 metros da Prometeu, Tom destravou o braço do guindaste e o satélite foi solto no espaço.

Ele não tinha muito tempo, seu corpo já começava a arder e a integridade do traje já estava comprometida. Tom, fazendo um esforço supremo, usou um cabo de aço previamente preso ao satélite para o alcançar nessa breve travessia no vácuo absoluto. Finalmente, após segundos que pareceram eras geológicas, entrou pela porta - que na verdade não era uma porta e sim uma escotilha de manutenção - e cortou o cabo com seu maçarico laser de bolso prendendo a respiração para não danificar o casco refratário do Ícaro. Rezando e cruzando os dedos - apenas em sua mente, pois isso é impossível dentro de uma luva de traje espacial -  ligou o pequeno rádio farol que já estava dentro do satélite e fechou a escotilha, prendendo-a internamente usando um leve cabo de aço fazendo um torniquete em alguma parte  da estrutura interna do Ícaro. . Tom só conseguia ficar de cócoras dentro do satélite, acendeu a lanterna do capacete e verificou a vedação interna.
 
Tudo parecia em ordem. Tom teria que ficar pelo menos 2 semanas naquela posição até que o satélite desse a volta no Sol e fosse expelido pela gravidade solar de volta à Mercúrio (pelo menos era isso que seus cálculos lhe dissera). Suando muito, bebeu um grande gole de água no canudo do capacete e mordeu as 3 cápsulas de hipersono que mantivera embaixo da língua desde de que colocara o traje. Só assim teria oxigênio suficiente para aquelas duas semanas em órbita, enquanto o pequeno Ícaro terminasse parte de sua volta sobre o inferno solar "abaixo" e novamente fosse expelido pelo estilingue gravitacional para longe da estrela e finalmente fosse resgatado pelas naves de resgate vindas de Mercúrio.


... E foi o que aconteceu.



Márcio Delgado
Conto originalmente escrito em 2000. Revisto em 2014. Portanto, as semelhanças com o filme "Sunshine" de 2007 são meras coincidências. A escolha do nome da nave, também por motivos óbvios, não tem qualquer relação com o filme  "Prometheus" de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário